Pink Bobblehead Bunny

sábado, 10 de junho de 2023

Banoffee

                  


Eu só queria que parasse de chover. Era seis e meia da manhã e eu estava na fila da bilheteria, com muita coisa na cabeça. Estava frio e chovendo, algo que normalmente as pessoas amam quando estão em casa assistindo TV ou dormindo. Mas é claro que nem tudo que se planeja ocorre em um dia perfeito de sol. Por que a bilheteria tinha que estar do lado de fora?


Enquanto esperava na fila, que não estava nada curta, minha barriga começou a roncar. Perfeito! Tudo o que eu precisava agora. E, como se não bastasse, havia diversos aromas de comida ao redor, com carrinhos de pipoca, cachorros-quentes e pães de queijo aqui e ali, disputando a atenção de quem iria conquistar o estômago de cada pessoa com seus aromas. Você deve estar pensando "pera aí, mas é possível ter tudo isso aberto essa hora?" E sim, é possível, já que San Diego, a cidade onde eu estava era muito movimentada. E, claro, todas as filas estavam cheias. Eu já estava ficando impaciente.


Com certeza, eu iria perder meu lugar, pois odiava ficar pedindo alguém guardar, mas não tive escolha. Olhei para a senhora atrás de mim e ela parecia simpática, resolvi tentar.

 — Ahm, com licença, a senhora poderia guardar o meu lugar? É rapidinho, prometo — sorri com convicção. A senhora levantou os olhos e assentiu retribuindo o sorriso. Agradeci com um aceno e me dirigi à barraquinha com menos pessoas, já que as demais estavam com a fila cheia e eu não podia me atrasar ou perder o primeiro metrô.


Resolvi ir até a barraca de cachorro-quente, que onde haviam menos pessoas. Eu particularmente não gosto de comer nada tão pesado assim pela manhã, meu estômago não reage bem, mas minha fome estava falando mais alto. Falando mais alto é pouco, estava gritando. E magicamente a fila da bilheteria começou a acelerar, incrível não? Olho no relógio, 5 minutos para o primeiro trem, o que significava que o próximo só viria em duas horas, e se eu não fosse nesse já era.


Me apressei para voltar para o lugar em que estava antes e deixei a fila do cachorro-quente. Agradeci a senhora novamente e recebi alguns olhares raivosos das outras pessoas que estavam atrás dela, mas não me importei, afinal, era a primeira e última vez que tinha feito aquilo e eu realmente não podia me atrasar. Apenas dois minutos. E assim chega a minha vez.


— Vai para onde? 

— Los Angeles. — respondi rapidamente com impaciência.

 — Ok, são trinta e sete doláres.

No momento em que abri o compartimento da frente da mochila onde encontravam-se minhas chaves, celular e algumas outras coisas para pegar o cartão de crédito, acabei me atrapalhando e tudo caiu no chão.

E sim, a tela do meu celular novinho agora estava toda trincada

Merda.

— Está tudo bem? — a mulher da bilheteria perguntou um pouco assustada. 

— Está, eu só estou tipo… com alguns minutos de atraso.

— Entendo, entendo! Mas não precisa se preocupar que o metrô fica alguns minutos parado ainda assim depois da chegada, justamente por conta disso. — ela sorriu.

Suspirei e tentei sorrir, o que foi um fracasso porque acabou saindo o famoso sorriso amarelo. Grunhi um pequeno agradecimento e me dirigi à plataforma onde o metrô se encontrava.

Será que o seguro cobre a tela quebrada? Hahaha, óbvio que não.

E um conselho: nunca diga que um dia ruim não piora, sempre piora. Eu tive a infelicidade de soltar a frase em murmúrio próprio.

E olha só: o vagão que entrei estava cheio, assim como os outros também.

Beleza, com uma mochila e um case nas costas em pé.

E pra melhorar, morrendo de fome.

E vamos ficar uma hora e meia aqui dentro dessa sardinha sem ar condicionado!

Coloquei a mochila no chão, apoiando entre o ferro que eu estava me segurando e os pés. Enquanto isso entrava cada vez mais gente e só reforçava a ideia de que parecia uma gigante lata de sardinha.

"Ao menos ficou um pouco quente aqui " pensei.

Quando o trem começou a se mover o enjôo foi instantâneo.

Caramba, será que vou ficar assim por uma hora e meia? Não é possível.

Apoiei a cabeça no ferro tentando tirar um cochilo breve, sem sucesso, pois é impossível cochilar com vozes de todos os lados e o balanço enjoativo do metrô.

Depois de meia hora de pessoas saindo e entrando, de empurra empurra daqui e dali com alguns breves "com licença" o metrô para sem estar em uma estação no meio do caminho.

"Senhoras e senhores passageiros, por conta das fortes chuvas que estamos enfrentando, informamos que houve uma falha técnica no sistema. Para a segurança de todos não seguiremos com a viagem até que tudo esteja em ordem. Por favor, pedimos paciência e compreensão de todos vocês. Obrigado por viajar com a Amtrak!"

É sério isso?

Que vontade de mandar eles irem tomar naquele lugar.

Respirei fundo e tentei não atrair energias piores. Afinal quando você está em um dia ruim, reclamar só irá estragar mais ainda as coisas

Minha ânsia aumentava cada vez mais e minha respiração começou a ficar mais forte. Não percebi na hora, mas minha expressão estava mostrando muito mais do que deveria naquele momento, senti um toque leve puxando meu casaco.

— Você não está nada bem, não é?

Olhei a pequena figura por um momento. Tinha olhos brilhantes e curiosos, as mãozinhas tão pequenas quanto seu tamanho. Achei um tanto engraçadinho.

— É, eu não tô realmente. — respondi com sinceridade. 

— Acho que eu sei do que você precisa! — ela respondeu com muita confiança.

— Você? — falei sem conseguir conter o riso. — E do que eu preciso?

— Me siga por favor! — rapidamente a menininha saiu andando em meio aos outros passageiros em direção a outros vagões.

— Ei garotinha, pera aí! - Peguei a mochila do chão e ajustei o case em minhas costas com muita dificuldade e comecei a segui-la. Ao menos tentar, pois a menininha parecia um foguete andando em meio às pessoas.

Depois de muitos "com licença" e esbarrões em algumas pessoas, caminhando entre os vagões chegamos em um quase vazio.

"Finalmente um lugar bom pra sentar!" —pensei.

Sentei em um dos bancos do metrô e ela sentou no da frente me encarando.

— Tenho algo para você! — disse animadamente.

— Ah é?

— Simmm!

A menina pegou uma pequena mochila cor-de-rosa e a abriu.

De dentro tirou um pote transparente com a tampa branca e cheio de flores coloridas. Em cima havia uma colher de plástico cuidadosamente embalada.

— Está me dando seu lanche?

— Foi a mamãe que fez! — ela sorriu. — e pessoas satisfeitas ganham um sorriso no rosto, sabe?

A audácia dela!

Mas será que está tão evidente na minha cara que estou morrendo de fome? Ou com mau humor?

Deve estar

— E você, o que vai comer?

— O mesmo que você! 

Nesse momento ela tirou outro pote menor de dentro da mochila com as mesmas cores.

— Espera mas… dois?

— Simm! Eu sempre peço para mamãe para trazer um a mais, caso alguém precise!

Fofo.

Mas pera, eu não tô passando fome, caramba.

Só estou com muita fome!

— E eu sei que não está passando necessidade nem nada, eu ajudo pessoas assim também, mas tem gente que não tem tempo de comer algo logo pela manhã. Entendo isso!

E que madura, parece que leu minha mente.

Suspirei e hesitei por um tempo enquanto ela esticava os bracinhos para alcançar o pote.

— Pode pegar! Eu juro que não tem veneno nem nada!  

— Ah e como você me garante isso? — brinquei.

Seu rosto se transformou em uma expressão triste.

Tadinha.

Resolvi aceitar de bom grado.

— Certo, eu aceito sua gentileza.

Peguei o pote de suas pequenas mãozinhas e abri cuidadosamente. Logo que abri me deparei com um tipo de torta muito bem decorada por sinal.

— É um bannoffee. — ela sorria como se tivesse feito a descoberta do século.

— Um o que?

— Banoffee! — repetiu com alegria.

— Ah tá, vamos ver se é bom!

Não era apenas porque eu estava com muita fome, o que também era verdade, mas a torta era realmente muito boa

Eu já tinha ouvido falar desse tal de "Banoffee" mas não sabia que era assim.

Quando dei uma mordida, meu paladar ficou em êxtase! A mistura de sabores foi sensacional! A bolacha crocante combinou perfeitamente com o caramelo cremoso, e as fatias de banana trouxeram um toque doce incrível. Ah, e o chantilly era pura maciez.


Cada garfada era uma explosão de sabor. Tudo se encaixava perfeitamente, sem frescura. Foi uma torta deliciosa e viciante, sério! Eu só queria poder comer mais e mais.


Essa torta Banoffee é uma daquelas coisas simples que te fazem feliz instantaneamente. A garotinha me olhava sorrindo como se já esperasse aquela reação.

— Olha, eu não sei que mágica tem aqui, mas realmente, muito bom! Dê os parabéns a sua mãe!

— A mágica está no sorriso de cada pessoa após experimentar! — ela disse sem tirar o sorriso do rosto.

Ela ouviu isso de alguém, certeza.

Sorri em resposta, e seu olhar se iluminou.

Após comer a torta, entreguei o potinho e ela guardou em sua pequena mochila. 

"Senhoras e senhores passageiros, informamos que o problema foi resolvido e podemos seguir viagem. Agradecemos a paciência, obrigado por viajar com a Amtrak!"

Enquanto ouvia o anúncio novamente que era mais um alívio para mim, recebi uma mensagem no meu celular.

Sim trincado, mas pelo visto a situação não está tão grave assim.

Li com dificuldade a mensagem que aparecia na tela, mas felizmente consegui ver palavra por palavra por ser uma mensagem simples e curta. 

"Bom dia, estaremos cancelando os planos de hoje, houve um imprevisto então não precisa se preocupar."

Em outras ocasiões, eu teria ficado com raiva, por conta do tempo que perdi saindo de casa cedo ainda pra passar por um monte de situação chata. 

Mas por outro lado, "no fim do dia", não foi tão ruim assim. 

Pela janela do metrô, dava para ver as nuvens se dissipando e o dia nascendo.

As nuvens se dissipavam e o sol aparecia timidamente entre elas, enquanto a lua já estava em uma distância considerável do sol, e as estrelas perdiam seu brilho.

Simples, porém fascinante. O brilho da água refletia o céu e a impressão era que os dois tornavam-se um só.

— Ei menina, viu isso? — comentei sem tirar os olhos da janela. — Não é fascina-

Nada.

A menina simplesmente não estava mais ali.

Abduzida? Creio que não.

Ela simplesmente trocou de vagão e foi isso, mas porque saiu assim do nada?

Resolvi pegar meu celular novamente, mas hesitei por um momento e não o fiz. Continuei apreciando o amanhecer ate que ele ocorresse por completo. Um espetáculo que ocorre todos os dias, mas já é algo tão comum que as vezes esquecemos o quanto pode ser bonito parar para observar algo assim.

Pressa, coisas corriqueiras do dia a dia que nos preocupam, ou simplesmente coisas que vão dando errado que você se irrita como aconteceu comigo, fazem com que você perca o melhor. Triste se for parar para pensar não é?

Dei um suspiro e resolvi descer do trem na última parada, eu poderia voltar para casa e dormir, já que estaria livre até o fim do dia, mas porque não parar e talvez fazer algo diferente?

Tomar um suco em algum parque, assistir algo em um cinema, ou simplesmente andar e apreciar a cidade, as pessoas, o mundo acontecendo.

Então, foi o que fiz,

Após descer do metrô, comecei a caminhar pela cidade, percebendo as pequenas coisas que antes passavam despercebidas. As pessoas iam e vinham, apressadas em suas rotinas, mas eu queria aproveitar o meu tempo livre.


Encontrei um pequeno parque próximo e decidi sentar em um banco para relaxar. O sol agora brilhava intensamente no céu, iluminando tudo ao meu redor. Respirei fundo e senti a brisa fresca em meu rosto.


Em um quiosque próximo, um senhor preparava um suco natural. Aproveitei a oportunidade e me dirigi até lá. Enquanto bebia o suco, observei as pessoas ao meu redor. Crianças corriam e brincavam, casais passeavam de mãos dadas e idosos desfrutavam da tranquilidade do local. Era uma cena simples, mas cheia de vida e significado.


Decidi então seguir em frente e explorar mais da cidade. Entrei em uma pequena loja de antiguidades, onde me encantei com os objetos curiosos e históricos. Continuei minha caminhada, passando por praças movimentadas, ruas agitadas e prédios imponentes.


Parei em um cinema e decidi assistir a um filme que há muito tempo desejava ver. 

Ao sair do cinema, percebi que já estava perto do meio-dia e eu precisava retornar para casa, ou minha irmã e mãe ficariam preocupadas. O dia havia sido repleto de surpresas e momentos especiais, tudo graças a um simples incidente no metrô e a um encontro com uma garotinha

Garotinha essa que me lembrava muito minha irmã, por alguma razão.


Voltei para casa com um sorriso no rosto e uma sensação de gratidão. Aquele dia havia me ensinado uma valiosa lição: mesmo quando as coisas não saem como planejado, ainda podemos encontrar beleza e alegria nos momentos imprevistos. Basta abrir-se para novas experiências e apreciar o que o mundo tem a oferecer.


E tudo começou com um bannoffee. Aquela torta deliciosa que, de alguma forma, mudou o rumo do meu dia e me proporcionou uma forma diferente de ver as coisas


Portanto, se você tiver a chance de experimentar algo novo, seja uma torta, uma aventura ou apenas uma mudança de perspectiva, não hesite. Às vezes, é nos imprevistos que encontramos as melhores histórias e descobrimos coisas surpreendentes sobre nós mesmos e o mundo ao nosso redor.


Então, vá em frente e aproveite cada momento. A vida está cheia de pequenas “magias” esperando para serem descobertas.

Quem diria né? Tudo por causa de um Banoffee!

E sério, experimenta, é muito bom!